segunda-feira, 23 de junho de 2008

!!!Como aprender a sentar na cadeira!!!


Björk entrevista Stockhausen

Entrei para a escola de música aos cinco anos de idade, e fui apresentada a Stockhausen quando eu tinha 12 ou 13 pelo meu professor e compositor islandês de musicologia.

Lembro-me de estar em pé de guerra na escola, me sentia a “estranha”, com uma verdadeira paixão pela música, mas contra toda essa música “retrô”, constantemente bloqueada entre Beethoven e Bach. Muito da minha frustração se deve a obsessão da escola com o passado.
Quando eu fui apresentada a Stockhausen.... foi como 'aaah'! Finalmente alguém estava falando a minha língua.

Stockhausen disse frases como: "Temos de ouvir a "música dos antigos " um dia por ano e os outros 364 dias temos de ouvir a 'música do agora'. E devemos fazê-lo, da mesma forma que olhamos os álbuns de fotografia quando éramos crianças. Se você olhar para os álbuns antigos muitas vezes eles só se tornam inúteis. Você começa prestar atenção em algo que não importa, e você para de se preocupar com o dia de hoje. E esse foi o modo como ele olhou para todas as pessoas que estão obcecados com a velha música.

Para uma criança de 12 anos da minha geração, essa experiência foi brilhante, porque ao mesmo tempo eu estava também sendo introduzida para a música eletrônica de bandas como Kraftwerk e DAF.

Penso que quando se trata de música eletrônica e música atonal, Stockhausen é o melhor. Ele foi a primeira pessoa a fazer música eletrônica, mesmo antes da invenção dos sintetizadores. Gosto de compará-lo a Picasso, pois como ele, Stockhausen tem tantas fases. São tantos os músicos que fizeram uma carreira inteira dentro de uma só fase. Ele vai um passo à frente, descobre algo musicalmente que nunca foi feito antes e quando as pessoas agarram sua nova idéia, ele começa a criar uma outra coisa.

Tal como todos os gênios científicos, Stockhausen parece obcecado com o casamento entre ciência e mistério, embora sejam opostos. Cientistas normais estão obcecados com fatos; cientistas gênios estão obcecados com mistério. Quanto mais Stockhausen se aprofunda cientificamente sobre o estuda do som, mais ele constata que não sabe nada (nada sobre “jack shit”!!!); de que ele está perdido.

Stockhausen me contou sobre a casa que construiu na floresta onde viveu por dez anos. Construída a partir de pedaços de vidro hexagonais onde todos os cômodos são irregulares. Os cantos da casa são iluminados por spotligths criando vários reflexos. A floresta torna-se espelhada no interior da casa. Ele estava me explicando que mesmo após dez anos continuava a ter momentos em que não sabia onde estava na casa, e me disse isso com admiração nos olhos. E eu disse: "Isso é brilhante: você pode estar inocente até mesmo em sua própria casa", e ele respondeu, "Não apenas inocente, mas curioso." Ele é um grande humorista.

Björk Gudmundsdottir: Me parece que a sua música eletrônica é mais parecida com sua voz e as outras peças são menos pessoais de algum modo. Você sente isso também?

Karlheinz Stockhausen : Sim, porque um monte de coisas que eu componho soam como um mundo alienígena. Então uma noção "pessoal" é irrelevante. Não é importante, porque é algo que não sabemos, mas eu gosto e faço.

BG: Parece-me que você acabou de colocar sua antenas para fora, e que é como a sua voz, seu ponto de vista, como do exterior. Ou algo parecido... (pausa) Eu não posso explicá-la.

KS: Não há e nem pode. A coisa mais importante é que não é como um mundo pessoal, mas sim algo que todos nós não sabemos. Nós temos que Se nós chegarmos em algo parecido com isso, então tivemos sorte.

BG: Tem a certeza que não é você?

KS: Oh, eu me surpreendo comigo mesmo frequentemente. E quanto mais eu descobrir algo que nunca tenha experimentado antes, mais eu fico animado. Isso eu acho importante.

BG: Eu tenho um problema: eu fico muito animada com a música. Entro em pânico porque eu não tenho tempo para fazer tudo. Isto te preocupa?

KS: Sim e não, porque eu aprendi agora na minha vida, que mesmo as minhas mais precoces obras feitas 46 anos atrás, não são entendidas pela maioria das pessoas. É um processo natural, onde aquilo que te surpreende só vai ser incorporado duramente mais tarde pelas pessoas. Portanto seriam necessários 200 anos para que as pessoas alcançassem no mesmo estágio que eu cheguei, depois de gastar, vamos dizer, 8 horas por dia durante 3 anos em estúdio criando algo. Você precisa do mesmo tempo que eu tive somente para ouvir a obra. Não vamos falar de entendimento nem mesmo o que ela significa. Portanto, este é o processo natural, que alguns músicos façam algo que necessita de muito tempo para ser entendida (ouvida).... muitas, muitas vezes, e isso é muito bom.

BG: Sim, mas também estou falando sobre o relacionamento entre você e você mesmo, e no tempo que você tem entre o nascimento e morte. Se é o suficiente para fazer todas as coisas que deseja ..

KS: Não, você só pode fazer uma pequena parte do que quer. Isso é natural.

BG: Sim, talvez eu seja muito impaciente....
É difícil para mim ...

KS: 80 ou 90 anos não é nada. Há uma grande quantidade de peças de música muito bonita do passado que a maioria das pessoas vivas hoje em dia nunca ouvirão. Estas peças são extremamente preciosas, cheias de mistério, de inteligência e invenções. Estou pensando neste momento de certas obras de Johan Sebastian Bach, ou mesmo compositores anteriores. Há tantas composições fantásticas, de 500...600 anos, nem sequer conhecidas da maioria dos seres humanos. Portanto, vai demorar muito tempo. Há bilhões de coisas preciosas no universo que não temos tempo para estudar.

BG: Você parece ser tão paciente, você tem toda essa disciplina de como usar o tempo. Isso me assusta , eu ainda não aprendi a sentar na minha cadeira, que é muito difícil para mim. Você sempre trabalha oito horas por dia?

KS: Mais.

BG: Você acha que seu desejo principal é mostrar ou gravar as coisas “ de fora” para provar que elas existem, apenas por razões científicas, ou é mais emocional para criar uma desculpa para que todos se unam. Então talvez algo aconteça, como sua música pode conseguir isso?

KS: Ambas.

BG: Ambas?

KS: Claro.
Sou como um caçador, tentando encontrar alguma coisa, e ao mesmo tempo, esse é o aspecto científico, tentando descobrir. Por outro lado, estou emocionalmente em alta tensão quando se trata do momento em que tenho de agir com os meus dedos, com as minhas mãos e meus ouvidos, para criar o som, para moldar o som.
É que não posso pensar e agir de forma separada com os meus sentidos: ambos são igualmente importantes para mim. Mas o total envolvimento acontece em ambos estados: se eu sou mais um pensador, um ator; Estou totalmente envolvido, eu fico envolto.


BG: Eu costumo viajar com minha pequena “ghettoblaster” , e com meu bolso cheio de fitas, e tento sempre colocar a canção certa. Não me importa a canção, contanto que ela una e mantenha a todos unidos no quarto. Mas sabe, as vezes pode ser um truque bem barato. Lembro-me de ler uma vez que a guerra é uma das razões pelas quais você não gosta de ritmo regular.



KS: Não, não, isso é ...

BG: Isso é um equívoco?

KS: Quando eu danço me agrada a música “dance” normal. Com síncopes naturais. Não deve ser sempre como uma máquina. Mas quando eu escrevo, eu uso raramente ritmos periódicos, e somente num estágio intermediário, porque penso que há uma evolução na linguagem da música na Europa, que conduz a partir de ritmos muito simples para ritmos mais e mais irregulares. Portanto, sou cuidadoso com a música que sublinha este tipo de periodicidade minimalista que traz os mais básicos sentimentos e impulsos em cada pessoa. Quando digo "básico", significa reação física. Mas nós não somos apenas um corpo que caminha, que corre, que faz movimentos sexuais, que tem um batimento cardíaco, que é, mais ou menos, em um corpo saudável, 71 batimentos por minuto, ou que tenha certos impulsos cerebrais, por isso somos um conjunto do sistema de ritmos periódicos.
Mas dentro do corpo existem muitas periodicidades sobrepostas, da muito rápida até a muito lenta. Respirar é, em uma situação tranquila, a cada seis ou sete segundos. Tem periodicidade. E todos esses ritmos periódicos juntos constroem uma música muito polimérica no corpo, mas quando eu faço a arte musical eu sou parte de toda essa evolução, e estou sempre à procura de mais e mais diferenciação. Sempre com a forma.

BG: Só porque isto é mais honesto, é mais real?

KS: Sim, mas o que a maioria das pessoas gostam é de uma batida regular, hoje eles tornam cada vez mais a música pop como uma máquina. Penso que deveríamos tentar fazer uma música que é um pouco mais ... flexível, assim por dizer, um pouco mais irregular. Irregularidade é um desafio, você vê? Quão longe podemos ir fazendo música irregular? Longe somente em um pequeno momento, em que tudo cai em sincronia e em seguida cai novamente em vários ritmos e métricas. Mas, de qualquer modo, isto é como a tem sido a história.

BG: Acho que, na música popular hoje as pessoas estão tentando chegar a termos com o fato de que eles estão vivendo com todas estas máquinas, e tentam combinar máquinas e os seres humanos, tentando casar-los em um casamento feliz: tentando ser otimista sobre isso. Eu fui trazido por uma mãe que acreditava ferozmente na natureza e queria que eu ficasse descalça 24 horas e todas estas coisas, então eu cresci com um grande complexo de culpa por causa de automóveis e arranha-céus, e eu fui ensinada a odiar-los , e depois eu penso eu estou, assim dizendo , no meio de tudo isso. Vejo esta geração dez anos mais nova do que eu fazer música, tentando viver com isso. Mas tudo está com os ritmos regulares e aprender a amá-los, mas ainda ser humano, continua a ser tudo natural e orgânico.

KS: Mas ritmos regulares estão sempre em todas as culturas: a base da estrutura. Só ultimamente que eles vêm para fazer um ritmo mais complicado, por isso, penso que não é assim que as máquinas trouxeram irregularidade.

BG: Sim, penso que o que me faz feliz é o seu otimismo, especialmente sobre o futuro.
E eu acho que, para mim, e aqui estou falando sobre minha geração. Nós aprendemos que o mundo está descendo pelo ralo e que todos nós morremos logo, e encontrar alguém tão aberto quanto o senhor, com otimismo, é especial. Muitos jovens são fascinados pelo o que você está fazendo. Você acha que isso se deve ao seu otimismo?

KS: Eu entendo também que as obras compostas por mim dão muito material para estudo, ensino e experiência. Em particular, essas obras sendo experimentadas (por si mesmo) dão confiança e a visão de que há muito a se fazer ainda.

BG: E também porque talvez você tenha feito muitas coisas, e que muitos jovens encontrarão apenas um por cento do seu trabalho, e mesmo assim eles podem se identificar com o que você fez.

KS: Talvez com diferentes obras, porque não podem conhecer a todas elas. Eu tenho 253 obras em partituras, e cerca de 70 ou 80 CDs com diversas obras diferentes, ou seja, há muito a descobrir. É como um mundo dentro do mundo, e há muitos aspectos diferentes. Isso é provavelmente o que eles gostam: todas as peças são muito diferentes. Eu não gosto de me repetir.

BG: Você acha que é nosso dever chegar aos limites, utilizar tudo o que temos, com toda a inteligência e todo o tempo, e experimentar tudo, especialmente se for difícil, ou você pensa que é mais uma questão de apenas seguir os instintos, deixando de fora as coisas que não nos dê prazer?

KS: Eu estou pensando neste momento nos meus filhos. Tenho seis filhos, eles são bem diferentes. Em particular, há dois, que são a propósito os mais jovens, que ainda se jogam em muitas direções diferentes pelo gosto, ou emoção, e há um filho que é trompetista que tentou há alguns anos se tornar um mestre espiritual.

Ele quis ser um professor de Yoga e ajudar as pessoas que estavam desesperadas, se alegrarem e acreditarem num mundo melhor, mas então eu disse a ele que existem suficientes pregadores, e que se mantivesse fiel ao seu trompete.

Eu poderia ter sido um professor, um arquiteto, um filósofo, um professor, e sabe Deus mais o que mais entre várias faculdades.

Eu poderia ser um jardineiro ou um agricultor facilmente: eu fui fazendeiro por um longo tempo, um ano e meio da minha vida.

Eu trabalhei numa fábrica de carros por um tempo, e eu gostava do trabalho; mas eu só compreendi, no final dos meus estudos, quando eu ainda estava trabalhando em uma tese de doutoramento e como pianista eu ensaiava quatro ou cinco horas por dia ao piano , como um instrumento solo.

Eu tocava todas as noites num bar para ganhar a vida, mas desde que eu compus a primeira peça onde eu senti que soou muito diferente de tudo que eu sabia, eu me concentrei na arte da composição e eu perdi quase tudo que o mundo oferece a mim, as outras faculdades e outras formas de viver como você acaba de dizer, a emoção de todos os tipos de entretenimento de toda espécie.

Tenho realmente concentrado de dia e de noite em que um aspecto muito rígido, compondo, executando e revendo as minhas partituras e as publicando.

E, para mim, este foi o caminho certo. Não posso aconselhar no geral, deve ser uma chamada interna, e a pessoa tem que ouvi-la.

Você tem que ouvir o chamado e então depois de ouvi-lo, não haverá nenhuma pergunta.

BG: Sim, é como se pode ir mais longe.

KS: Não sei. Eu penso apenas que não poderia atingir nada que me faça sentido se eu não me concentrar totalmente nisso. Então eu perco muito do que a vida tem para oferecer.

BG: E aprender a sentar em uma cadeira.

KS: Você sabe que eu também sou maestro, não é apenas sentar em uma cadeira. Eu regi orquestras, corais, vários ensaios... correndo de um lado pro outro.... organizando os alto falantes com os técnicos e todos os ensaios, portanto, não é apenas “sentar” numa cadeira, mas eu sei o que quis dizer, sim, é “concentrar” naquela vocação .


Gesang der Jünglinge (Canção da Juventude)

Considerada a primeira obra-prima da música eletrônica.

Abaixo um trecho da partitura. E os links para ouvir e pra quem quiser se aprofundar na obra:

http://rapidshare.com/files/124609306/04_Gesang_der_Juenglinge__1955-56_.mp3

http://www.music.columbia.edu/masterpieces/notes/stockhausen/GesangHistoryandAnalysis.pdf




































Björk
Wanderlust (Volta 2007)
http://rapidshare.com/files/124609307/02_Wanderlust.m4a
http://www.youtube.com/watch?v=_8ZPV4RzG4M
























Björk por Xiu Xiu (Stereogum - Tributo ao representativo POST de Björk)
Isobel

http://rapidshare.com/files/124609308/07_Isobel.mp3

6 comentários:

Maurício Malheiros disse...

Parabéns pelo blog...espero que fique cada vez melhor, não quer dizer que ele esteja careta...=P, pra mim está bacana, apesar de eu não ser um conhecedor de música, devido a isso, não sentir um interesse maior pelo assunto...desejo a vc boas "bloggagens"...
te cuida maestro....
abraços
;D

Igor Santana disse...

Permita-se!

Anônimo disse...

Me ocorreu Alice nos país das maravilhas, ou de alguma fabula oriental sobre as lebres e lobos, um chá com o chapeleiro louco, ou melhor ainda, uma conversa sincera, franca, direta, entrecortada de rápidas adagas, como em Ang lee...aquela poesia translucida, azul profundamente claro ao sol, um sinal de fumaça perdido no horizonte verticalizante da existencia.

Anônimo disse...

post muito inspirador. feliz em achar espaços como esse.

um abraço!

Anônimo disse...

Marcelinho adorei o "cantinho" para a gente espiar e aprender um pouquinho...dê-nos o prazer de estar sempre com boas noticias e tenha muita paciencia que nossos leitores sempre vem beber um pouco a água da fonte.
Sucesso querido amigo!

Anônimo disse...

Marcelinho adorei o "cantinho" para a gente espiar e aprender um pouquinho...dê-nos o prazer de estar sempre com boas noticias e tenha muita paciencia que nossos leitores sempre vem beber um pouco a água da fonte.
Sucesso querido amigo!